Quando a competição destruiu a arte

Leandro Fernandes
3 min readJun 22, 2015

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Antes de mais nada, este texto é uma maneira de organizar meus pensamentos.

Eu sou fã de reality shows de competição musical. Desde a infância em que eu assistia Raul Gil, depois Fama, American Idol e mais recentemente The Voice (vários da franquia, em muitos lugares diferentes do mundo) e o Superstar aqui no Brasil, meu vício mais recente e que me fez ontem quase chorar na frente da TV pela injustiça. Só que eu sou uma pessoa esquisita e eu sempre gostei não pela competição, mas porque era uma chance de ouvir músicas diferentes e conhecer artistas.

É desnecessário dizer que eu me frustrei muito mais vezes do que fiquei feliz com os resultados. Posso contar nos dedos os vencedores e vencedoras que eram, ao meu ver, merecedores e que apresentavam algo que fizesse jus ao que eu esperava: novidade, originalidade, acima de grandes vozes que cantam Whitney Houston, por exemplo. A competição em si é que frustra, que elimina, que distrai do que deveria mesmo importar, que é a música.

Não posso dizer que não tirei nada de bom disso, porque seria uma mentira de alguém que está amargo. Para cada Javier Colon ou Sam Alves vencendo o The Voice, eu conheci uma Dia Frampton e uma Simona Talma. Mesmo com eliminações injustas nas semifinais, eu vi uma Ellen Oléria vencer. E no fim das contas o cálculo resulta positivo para mim e para os artistas, alguns dos quais eu cheguei a ajudar nos projetos de crowdfunding e que resultaram em álbuns maravilhosos que eu me orgulho por ter sido parte, mesmo que indireta. Essa sempre foi a graça pra mim, e é por isso que o The Voice brilhava mais aos meus olhos: sempre tinha espaço para artistas alternativos.

De um tempo para cá, no entanto, a competição engoliu tudo. Critérios bizarros para as pessoas votarem, público que gosta mais de intriga e rivalidade do que da música em si, e isso indo até os menores pontos, até em versões virtuais que eram para ser brincadeiras entre amigos e se tornam uma competição de “quem consegue mais gente para votar”. Afinal, quando você vê um vídeo com 25 visualizações como pode ter 90 votos? Menos de 1/3 dos votantes nem chega a ouvir uma música que a pessoa passou a semana toda gravando? E em que mundo isso tá certo?

Enfim, chega um ponto que não dá mais. Essas competições diminuem os artistas, humilham, provocam e transformam pessoas que fazem de tudo para manter o mínimo de integridade em gente com raiva, tipo eu. Pior que isso: no fogo da competitividade e da vontade de ver seu artista preferido se dar bem, eu entro nos jogos. Eu fortaleço a competição. Mas não mais.

Em vez de competição eu quero valorizar a cooperação. Me recuso a fortalecer essa lógica de que para um se dar bem, o outro precisa se prejudicar. Tem espaço pra todo mundo. E eu quero ver todo mundo ocupar o seu espaço e não ficar brigando por um espaço irrelevante. Então a partir de agora estou em processo de detox de reality shows musicais e buscando alternativas de cooperação e não de competição para isso que eu gosto tanto, que é ver gente boa e original tendo espaço pra divulgar o próprio trabalho como artista.

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Leandro Fernandes

Repórter, UX writer, mestre e jogador de RPG, roteirista e escritor, assisto mais de cinquenta séries e não me arrependo.