Estava tudo arruinado

Estava tudo arruinado. Olhando agora, ela sabia que eles nunca tiveram escolha, mas ele não precisava ter ficado. Mas sempre tinha sido assim.

Quando ela era uma menina perdida nas ruas e foi presa, não houve escolha. “Você vai servir o nosso país”. Ela se apavorou a princípio, pensando que seria um soldado. Depois, entendeu que se tratava de algo diferente.

Era ela e um punhado de jovens, todos com a mesma história: uma infância solta nas ruas, com a família fora da equação. Todos bem acostumados a correr e se esgueirar pela cidade. E agora todos eram lutadores.

No começo, eles aprenderam a bater. Era simples, mas exigia que entendessem onde doía mais. Muitos foram eliminados do programa naquela fase. Depois, começaram a aprender sobre a energia vital que podia usar para tornar os golpes mais eficazes. Nesse ponto, sobraram apenas dez.

E aí começaram a ensiná-los a dominar os elementos. Não todos — cada um deveria se aprofundar no estudo de um, aproveitando a conexão com sua herança dracônica. E agora eles eram quatro e eram uma família.

Gorri era o irmão briguento e descontrolado. Belar era a mãe durona que dava lições quando precisavam. Ela e Urdin eram os irmãos mais novos que tentavam se adaptar às situações. E agora eles estavam sozinhos.

Mas antes, quando estavam os quatro sempre juntos, eles gostavam de usar os poderes para escapar do centro de treinamento. Foi nessas escapadas que eles aprenderam a fazer coisas que os monges não ensinavam. Urdin aprendeu a voar. O ar ao redor do corpo dele atendia ao que ele pedia e, como ele era o mais magro, podia simplesmente sair flutuando, guiado pela brisa. Gorri gostava de ir até a antiga vizinhança e assustar os antigos rivais atirando raios de fogo aos pés dos garotos. Belar ia até o ringue clandestino e, se passando por uma adulta, ganhava dinheiro com as lutas. Quando ela firmava os pés no chão, não havia força capaz de movê-la. E Zuri conseguia correr muito, muito rápido — ninguém atingia a velocidade dela.

Com o tempo, ficou claro que eles não eram mais aprendizes dos monges, mas continuavam lá — eles não tinham escolha. Eles eram agora Dragões do Império e precisavam cumprir suas funções. Afundar barcos, capturar prisioneiros, destruir vilas de orcs que teimavam em adentrar os territórios do império, ao norte. Zuri adorava essas missões. Ela adorava se sentir útil e causar dor às pessoas que ameaçavam seu lar — mas, mais que isso, ela adorava se sentir parte daquela família. Mas agora a família tinha acabado.

Porque tudo estava arruinado. Olhando para trás, a única escolha que eles tiveram foi amar uns aos outros. Quando ela viu Belar cair, ela pensou que estava tudo bem. Daria tempo de chegar até ela e evitar o pior. Estava tudo sob controle, era uma emboscada simples, eles já tinham feito isso antes.

Mas tudo estava arruinado. Zuri decidiu correr. Ela sabia que não podia, mas decidiu. “Um bom Dragão do Império dá a sua vida pela causa”. Ela não era uma boa Dragão do Império. Quando Urdin a encontrou na estrada, eles decidiram voltar. E entraram no navio. Mas tudo estava arruinado.

Aquele fracasso não seria perdoado, especialmente se a libertação falhasse. Eles seriam pessoalmente culpados por aquilo e provavelmente iriam parar em uma cruz no deserto.

- Vamos embora, Urdin.

- Pra onde?

- Qualquer lugar.

Naquela noite, eles se esgueiraram até um barco de remo do navio em que estavam e partiram em meio a uma neblina que surgiu do nada e foi embora do nada.

‘Estava tudo arruinado’ é um pequeno conto a partir do ponto de vista de uma personagem da mesa de RPG que eu mestro. É uma experiência nova escrever algo partindo das criações da mesa, que eu costumo tentar deixar somente no contexto do jogo — eu me julgo de maneira diferente quando escrevo “a sério” e quando escrevo para mestrar. Aqui, acho que vale quebrar essa barreira, talvez daqui pra frente.